A vontade não é nunca o primeiro princípio das nossas acções, ela é o seu último móbil; é o ponteiro que marca as horas num relógio e que o leva a dar as pancadas sonoras. O que esconde dos nossos sentidos o móbil das suas vontades é a fuga precipitada das nossas ideias ou a complicação dos sentimentos que nos agitam. O motivo que nos faz agir muitas vezes já desapareceu no instante em que agimos, e não mais lhe encontramos o rastro. Ora a verdade ora a opinião nos determinam, ora a paixão; e todos os filósofos, de acordo nesse ponto, remetem à experiência. Mas, dizem os sábios, já que a reflexão é tão capaz de nos determinar quanto os sentimentos, oponhamos então a razão às paixões quando as paixões nos atacam. Eles não atinam que não podemos nem mesmo ter a vontade de chamar em nossa ajuda a razão quando a paixão nos aconselha e nos preocupa com o seu objecto. Para resistir à paixão, seria necessário pelo menos querer resistir-lhe. Mas a paixão fará nascer em vós o desejo de combater a paixão, na ausência da razão vencida e dissipada? O maior bem conhecido, dizem, determina necessariamente a nossa alma. Sim, se for sentido como tal e estiver presente no nosso espírito; mas se o sentimento desse pretenso bem estiver enfraquecido, ou se a lembrança das suas promessas dormitar no seio da memória, o sentimento actual e dominante vence sem dificuldade: entre duas potências rivais, a mais fraca é necessariamente vencida.
Luc de Clapiers Vauvenargues, in Discurso Sobre a Liberdade